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Guest Post – Sobre Tintas e Esmaltes – por Claudia Winter

Estive no consultório médico hoje pela manhã. Cheguei um pouco cedo, o que sempre acontece comigo aqui. Acho que minha alma paulistana resiste em se adaptar a ausência de trânsito – mas essa é uma outra história. O fato é que sem poder ler nada (esqueci – de novo – os óculos em casa) comecei a observar as velhinhas que também aguardavam sua vez.
Duas delas discutiam sobre um livro, ou um filme, ou uma peça – não consegui descobrir qual, mas a conversa estava bastante animada. A que estava bem ao meu lado lia Gone Girl (o mesmo livro que eu estaria lendo se não tivesse esquecido os  óculos).  E três outras falavam sobre a caminhada que iriam fazer no dia seguinte (weather permitting, claro).
Pensei “que bacana, as velhinhas estão com tudo, super animadas, felizes da vida mesmo”. Foi quando me dei conta do que estava na minha frente.
E o que estava na minha frente era um verdadeiro mar de polyester. Um mar de polyester e cabeças branquinhas. Um mar de polyester, cabeças branquinhas e unhas  sem esmalte.  E então pensei na luta que é não querer envelhecer. Em ter que, entre tantas outras coisas, tingir o cabelo a cada quinze dias. Ou bater ponto na manicure, faça sol ou faça chuva, pra não correr o risco de perder o precioso slot.
Não estou dizendo que não se usa esmalte ou tintura de cabelo nesta ilha. Usa-se e muito. A quantidade é imensa. A variedade, então, é de enlouquecer. Um verdadeiro paraíso para os cultuadores dos reflexos, francesinhas e afins.
Tenho certeza de que aquelas senhorinhas do consultório médico tiveram seus anos de salões de beleza, mas não se deixaram escravizar por eles. Foram-se as luzes, ficaram os cabelos brancos.
Aparentemente, os caminhos se tornam mais suaves com o tempo. As longas conversas,  as intermináveis  xícaras de chá, os cães e os jardins vão, aos poucos, assumindo um papel mais importante, para não dizer mais nobre. E isso é bom. As garotas de Ipanema daqui envelhecem. Cheias de graça.
Vivo aqui há quase cinco anos. Percebi que as pessoas se rendem ao tempo de uma forma mais elegante por estas bandas. Ainda que estejam nadando em um mar de polyester.
Em tempo: minha mãe me dizia outro dia que tem a cutícula tão fina, mas tão fina, que a manicure precisa trabalhar de lupa.  Mãe, por que é mesmo que você tem que tirar a cutícula?
Namaste.
 
 
Claudia Winter é irmã da Michele, e mora em Hitchin, uma pequena cidade ao norte de Londres. Trabalhou a vida toda na Cultura Inglesa, onde conheceu muita gente interessante e aprendeu uma ou duas coisas sobre ensinar a falar uma língua diferente. Apesar de ter trocado o salto alto pelas galochas (a vida no campo tem flores, baby, mas tem muita lama também,está planejando montar um grupo de leitura virtual.

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